1.ª INVASÃO



“1807
Dezembro, 8 neste dia chegou a Mafra uma Divisão dos Franceses composta de Infantaria, Cavalaria e […] Artilharia, […] ficando aqui o Quartel General […].”
Dez dias apenas após a partida da Família Real para o Brasil, chegam a Mafra os franceses, ficando aquartelados no Palácio e Convento (e os oficiais instalados em residências particulares).
Inicia-se um período negro na história desta vila, onde a fome e a miséria imperam.
A guerra alimenta a guerra era o lema do exército francês. Este sistema logístico defendia que era da responsabilidade das terras conquistadas a alimentação dos conquistadores. Reabasteciam-se localmente, através de requisições, sem data de pagamento, ou seja, a fundo perdido. E ao longo de nove (intermináveis) meses a vila de Mafra suportou o abastecimento do quartel-general francês.
Durante a ocupação, a Tapada de Mafra foi utilizada como se de um armazém de recursos se tratasse, para fornecimento de gado, caça, legumes, cereais e lenha, esta última, imprescindível para a confeção das rações, no fabrico do pão e para o aquecimento dos soldados.
Essa mesma lenha veio a ser a causa de um dos momentos mais emblemáticos da resistência do povo português:
Jacinto Correia, residente em Mafra, transportava feixes de lenha quando dois militares franceses o tentaram roubar. Não só resistiu como os matou de imediato. Foi julgado, sentenciado à morte e fuzilado junto ao Palácio.
Junot, receando uma revolta pela população, fez deste homem um exemplo da sua justiça e poder absoluto.
Perpetuar a memória deste acontecimento é uma forma de homenagear este herói, para que o seu derradeiro sacrifício não tenha sido em vão…
Ele que até ao último momento gritou repetidamente uma frase que se tornaria célebre, incitando à revolta:
“Se todos fossem do meu valor
Não ficaria um só francês vivo!”
O desespero e a miséria não se confinam a Mafra, estendendo-se a todo o território português. A contribuição de 40 milhões de cruzados imposta ao Reino de Portugal por Junot, o confisco do ouro e das pratas das igrejas, a profanação destes templos de Deus, assim como o desrespeito pelo valor da vida humana são imortalizadas pelo pintor Cirilo Volkmar Machado. Numa série de 17 desenhos, comenta satírica e violentamente Junot e o seu exército, intercalando as suas ferozes críticas com os editais do general francês. Será a voz de Cirilo a que se fará ouvir agora:
“Poço de abismo aberto, Infernais Fúrias subindo de dentro, concelho magno destas, contra Portugal.
Napoleão Córsego empreendendo a conquista do universo […] seus progressos infames contra Portugal.
Portugueses continuai a estar tranquilos, a ter confiança em nós.
Junot. Decreto de 12 de Maio de 1808
Isto em bom sentido português quer dizer: nós aqui viemos foi somente a matar-vos, desonrar-vos, roubar-vos: mas isto tudo é para fartar o nosso desejo. Portanto, estai tranquilos.”
Cirilo Volkmar Machado [adaptado]
“Junot, o pérfido Junot em recompensa dos muitos obséquios que voluntariamente lhe fizeram em Portugal, dignou-se a atormentar os portugueses com o tributo de 40 milhões de cruzados.
[…] Não satisfeito o ímpio Junot, do tributo por ele imposto […], acrescenta que as Igrejas serão também saqueadas pelo direito da força com que as despojou.
Todo o Ouro e Prata de todas as Igrejas, Capelas e Confrarias serão conduzidos à casa da moeda.”
Junot. Decreto de 1 de Fevereiro de 1808."
Cirilo Volkmar Machado [adaptado]
“Os abomináveis soldados de Napoleão, mancham sacrilegamente os Templos de Deus, com execráveis insultos. Desprezam as Santas Imagens, partem-nas e as lançam no fogo…
A Religião do vosso País, a mesma que todos professamos… será protegida e socorrida pela mesma vontade.
Junot. Edital de 1 de Fevereiro de 1808
Grande Socorro, grande proteção para a Religião, lançaram as Imagens Sagradas no fogo. Bela frase.”
Cirilo Volkmar Machado
“1808
Setembro, 2 entrou hoje de manhã o Exército inglês em Mafra em perseguição dos franceses, foi recebido com grande alegria, na sua passagem se tocaram os sinos e carrilhão.”
A 1 de agosto de 1808, desembarca em Lavos (Figueira da Foz) o exército inglês, comandado pelo tenente-general Arthur Wellesley (futuro Duque de Wellington).
Chega a Mafra vitorioso, a 2 de setembro, após as batalhas da Roliça e do Vimeiro.
À semelhança dos franceses, instalam o seu quartel-general no Palácio de Mafra.
Guiados por um sistema logístico diferente, usam também requisições, mas estas serão pagas (com atrasos ou sem eles).
A Tapada de Mafra é igualmente utilizada. Recolhem o gado bovino e as bestas muares para assegurar o transporte dos seus mantimentos. Será também transformada num campo e cultivo, onde alguns soldados plantam hortaliças.
No entanto, a estrutura do exército aliado é distinta da do exército inimigo. Por mar, oriundos da Inglaterra chegam periodicamente carregamentos de víveres que são depois transportados em carros de bois.
A 15 de setembro de 1808, após a assinatura da “Convenção de Sintra” (negociação onde é dada permissão às tropas napoleónicas para levarem consigo todos os despojos e bens), Junot e o seu exército embarcam, deixando Portugal.
Esta decisão dará origem à expressão popular partir de “armas e bagagens” pois foi assim que partiram os franceses com as suas bagagens repletas de objetos roubados, património que para sempre desapareceu!
O momento marca o fim desta Invasão… mas outras se seguiriam!
“As Águias e os Galos da França trespassados com as setas da Bretanha; a serenidade transitando ao nosso Hemisfério, a Lusitânia levantada por Inglaterra. A tranquilidade abundantemente tornando a nós. Lusitânia socorrida no seu letargo pelo valoroso Hercules da Bretanha. Torna a reinar a Paz. Animai-vos Portugueses. Paz aos bons e também aos maus [...].”
