LINHAS DE TORRES

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“[…] O grande objetivo que devemos ter em vista na defesa de Portugal é a posse de Lisboa e do Tejo, e todas as nossas medidas devem dirigir-se para esse fim. Há ainda um outro objetivo estreitamente ligado ao primeiro, ao qual devemos igualmente dedicar toda a nossa atenção, que é o embarque das tropas inglesas no caso em que o exército sofra um revés”.

Wellington, , Memoranda

Quando completas (já após 1810), as Linhas que se estendiam por um perímetro superior a 90 quilómetros, continham 152 obras militares, armadas com mais de 600 peças de artilharia e guarnecidas por cerca de 100 mil homens. O trabalho decorreu em segredo absoluto e sob o comando inglês vários milhares de camponeses trabalharam na construção destas fortificações, das quais 43 estão localizadas no atual Concelho de Mafra.

1.ª Linha
A primeira linha, com 46 km, unia Alhandra à foz do rio Sizandro, em Torres Vedras. No Tejo esquadrilhas de navios ingleses, verdadeiras baterias flutuantes, complementavam as fortificações. O território mafrense engloba apenas dois fortes da primeira linha - o Forte Pequeno (n.º 29) e o Forte Grande (n.º 28), localizados na Enxara dos Cavaleiros (Enxara do Bispo após 1855).

2.ª Linha
A segunda linha, a norte de Lisboa, tinha uma extensão de 39 km e estendia-se de Ribamar (junto à foz do Safarujo) à Póvoa de Santa Iria (Tejo), cortando os desfiladeiros de Mafra, Montachique e Bucelas e apoiando-se na Serra de Chipre, Cabeço de Montachique e Serras de Fanhões e Serves. Trata-se da principal linha de defesa, aqui concentrando-se a maior parte das fortificações. A região de Mafra é cruzada pela segunda linha, com 41 dos seus redutos aqui representados.

3.ª Linha
A terceira linha ligava Paço de Arcos à Torre da Junqueira, ao longo de 3 km. Tinha por objetivo a proteção do embarque do exército britânico, com uma defesa em torno de São Julião da Barra, aproveitando e reforçando fortificações existentes.

4.ª Linha
Com uma extensão de 7,5 km, entre a Mutela (junto a Cacilhas) e o alto da Raposeira (na Trafaria), a quarta linha tinha como funções garantir a segurança no momento de um eventual embarque e controlar a acção do inimigo na península de Setúbal.


As Linhas de Torres Vedras revelaram-se um sistema defensivo imponente, assustador e intransponível, para o inimigo!

“1810
Março 2 começaram esta semana os trabalhos nos fortes da terra chamados as Linhas de Torres Vedras.”

Eusébio Gomes, Memórias

Antecipando uma nova invasão, em 1809, Wellesley (comummente identificado com Wellington) realiza um reconhecimento dos terrenos a norte da capital portuguesa. Assistido pelo seu engenheiro de confiança, o tenente-coronel Fletcher, “desenha” a sua estratégia defensiva: cercar a capital por quatro linhas fortificadas, com fortes habilmente colocados no topo das colinas, controlando os caminhos e reforçando os obstáculos. Estas linhas estavam orientadas para um reduto final que defendesse a retirada do exército inglês - São Julião da Barra (Oeiras). E os trabalhos de fortificação em São Julião da Barra foram os primeiros a ser iniciados.

A localização das fortificações assentava num pormenorizado conhecimento do terreno, analisando quais os possíveis eixos de aproximação do exército francês. Os vários estudos efetuados por engenheiros militares como Vincent, Cunha d’Eça, Morais Antas Machado e Neves Costa, foram essenciais para a construção destas linhas defensivas.

Curiosamente, a ideia de defender Mafra não fazia parte do Memorandum do futuro Duque de Wellington. Mafra não mereceu a sua atenção, ainda que Neves Costa a tivesse referido em pormenor. Será Fletcher quem se aperceberá da importância estratégia desta região e faz chegar ao seu comandante, no dia de natal de 1809, esse estudo. Wellesley toma então consciência de que a posição de Mafra podia igualar ou mesmo superar a importância de Montachique.

Nas obras de fortificação do Distrito Militar de Mafra (Distrito n.º 6) mais de 200 camponeses chegaram a trabalhar diariamente (incluindo mulheres e crianças). Também um Regimento de Milícias da Figueira da Foz é destacado para Mafra devido à dificuldade de angariar mão-de-obra. Surpreendentemente, os frades do Convento de Mafra (entre outros) recusaram-se a colaborar nos trabalhos. Existindo um documento em que se relata que um dos frades ameaça o mensageiro, afirmando que “havia de dar muitos pontapés nos cabos, se lhe tornassem a levar semelhantes avisos”. Entre terrenos particulares ocupados, moinhos transformados, árvores e mato utilizados para a construção das fortificações, sabemos que em 1822 os seus proprietários ainda não tinham sido indemnizados pelos prejuízos. Da Tapada de Mafra foram recolhidas um sem número árvores (sobretudo pinheiros, como atestam os testes realizados aos materiais identificados nas escavações arqueológicas).

Entre novembro de 1809 e setembro de 1810, é erguido, em segredo, o grande e eficaz sistema defensivo intitulado - as LINHAS DE TORRES VEDRAS. A dimensão das fortificações variava bastante. Enquanto as primeiras foram construídas em forma de estrela, mais tarde a sua arquitetura simplificar-se-á para outras formas mais adaptadas ao terreno envolvente e ao desempenho militar pretendido. Diversos moinhos de vento existentes foram, também, convertidos em redutos. Complementando estas obras, construíram-se paliçadas, covas de lobo, abatises e escarpamentos. Realizaram-se, ainda, minagens de estradas e pontes. Para que o exército anglo-luso pudesse deslocar-se de forma mais rápida, foram erguidas múltiplas estradas militares, em alguns casos aproveitando caminhos já existentes.

O eficaz sistema de comunicações baseado em telégrafos óticos permitia, pelo seu lado, a troca sigilosa de mensagens. O segredo foi, sem dúvida, fundamental para o sucesso das Linhas. O ambicioso plano de fortificações foi mantido secreto quer para as autoridades inglesas, quer para a Corte no Brasil. E o completo desconhecimento pelo exército inimigo, deste sistema, revela o insucesso da rede de espiões de Massena.

“[…] Este segredo foi tão bem guardado que, com exceção dos engenheiros diretores das obras, poucos oficiais do exército aliado tinham conhecimento daquelas fortificações; e a discrição posta na sua construção dissimulou a sua finalidade aos operários da região que nela trabalharam”.

Jean-Baptiste-Fréderic Koch

“Que Diabo! Wellington não construiu estas montanhas!”

Massena, 1810 [traduzido]